Marilena Chaui me surpreendeu
com seu enorme livro de 424 páginas sobre filosofia, pois revelou que a temática
não é um “bicho de sete cabeças”, ou seja, incompreensível, como o senso comum
acredita que seja, e que a extensão do livro não significa prolixidade, mas a
demonstração do tamanho que o campo da filosofia tangencia.
O livro é composto por
Introdução e oito Unidades divididas em capítulos, o que torna o livro bastante
longo, mas não cansativo. Ele tem uma linguagem quase coloquial, acessível,
instigante e cada final de Unidade conta com um questionário sobre ela a fim de
fixar o tema abordado, isto é, é um livro extremamente didático, que pode ser
utilizado como ferramenta de trabalho docente.
A Introdução tem como título
“Conhecer-te a ti mesmo”. Ela faz uma analogia entre o filme “Matrix” e o
pensamento de Sócrates para criticar racionalmente a realidade interna, a si próprio,
e a externa, o ambiente em que está situado.
A Unidade 1, a Filosofia,
possui cinco capítulos: A Origem da Filosofia; O Nascimento da Filosofia;
Campos de Investigação da Filosofia; Principais Períodos da História da
Filosofia; e Aspectos da Filosofia contemporânea.
A Filosofia é conhecida como
o desejo pelo conhecimento racional, lógico, demonstrativo e sistemático da
realidade natural e humana, da origem e das causas da ordem do mundo e de suas
transformações, da origem e faz causas das ações humanas e do próprio
pensamento. (p. 26) Sendo que esse conhecimento sistemático engloba encontrar
as leis e os princípios universais e necessários do objeto conhecido.
Ela foi originada na Grécia
e é considerada uma cosmologia, pois é “... uma explicação racional sobre a
origem do mundo e sobre as causas das transformações e repetições das coisas.”(p.
36)
Como uma Filosofia grega,
ela é dividida em quatro períodos: Período Pré-Socrático ou Cosmológico, do
final do século VII ao final do século V a.C.; Período Socrático ou Antropológico,
do final do século V e todo o século IV a.C., Período Sistemático, do final do
século IV ao final do século III a.C., período que mais tarde gerará a metafísica;
e Período Helenístico ou Greco-Romano, do final do século III a.C. até V.I.
d.C.
Cabe ressaltar que os
sofistas são os primeiros filósofos do Período Socrático, os quais tinham
habilidade de conseguir que sua opinião fosse aceita em uma assembleia por terem
o poder da persuasão.
A história da Filosofia também
é dividida em seis períodos: a Filosofia Patrística, do século I d.C ao século
VII d.C, onde as verdades seriam irrefutáveis e inquestionáveis por serem
reveladas por Deus; a Filosofia Medieval, do século VII d.C. ao século XIV d.C,
onde surge a teologia; a Filosofia da Renascença, do século XIV d.C ao século
XVI d.C.; a Filosofia Moderna, do século XVII d.C a meados do século XVIII d.C,
onde dominava o Racionalismo clássico; a Filosofia da Ilustração ou Iluminismo,
de meados do século XVIII ao começo do século XIX, onde havia a concorrência entre
dois pensamentos econômicos: o fisiocrata (o qual a agricultura é a fonte
principal das riquezas) e o mercantilista (o qual o comércio é a fonte principal
da riqueza das nações); a Filosofia contemporânea, de meados do século XIX d.C.
aos nossos dias.
É importante notar que em cada
período histórico acima havia conhecimentos e práticas singulares, não havendo
uma “... transformação contínua, acumulativa e progressiva da humanidade”. (p.
51)
O livro aponta campos próprios
da reflexão filosófica: a Ontologia ou Metafísica, a qual seria os
conhecimentos dos princípios e fundamentos últimos de toda a realidade; a Lógica;
a Epistemologia, a qual seria a análise crítica das ciências; a Teoria do Conhecimento
ou estudo das diferentes modalidade de conhecimento humano; a Ética, a qual
seria o estudo dos valores morais; a Filosofia Política, a qual estuda sobre a
natureza do poder e da autoridade; a Filosofia da História, a qual estuda sobre
a dimensão temporal da existência humana sociopolítica e cultural; a Filosofia
da Arte ou Estética, a qual seria o estudo das formas de arte e do trabalho artístico;
a Filosofia da Linguagem, a qual estuda a linguagem como manifestação da
humanidade; e a História da Filosofia, a qual estuda diferentes períodos da
Filosofia.
A Unidade 2, a Razão, também
possui cinco capítulos: A Razão; A Atividade Racional; A Razão: Inata ou
Adquirida?; Os Problemas do Inatismo e do Empirismo: Soluções Filosóficas; A
Razão na Filosofia Contemporânea.
Como a Unidade estuda a Razão,
ela afirma que a Filosofia afirma que a realidade é racional, não uma mera
opinião, sendo baseada nos seguintes princípios: da identidade; da contradição,
ou seja, nada pode ser negado e afirmado ao mesmo tempo; do terceiro excluído;
e da razão suficiente, isto é, para tudo o que existe ou acontece há uma causa.
(p. 63)
O Idealismo, assim como o
Sofismo, acredita somente na existência da Razão subjetiva, ou seja, aquela
realizada pelo sujeito do conhecimento, pois não há possibilidade do
conhecimento objetivo da realidade. A Razão subjetiva pode ser discursiva ou
intuitiva, sendo que esta pode ser tanto intuição sensível ou empírica quanto
intuição intelectual. Cabe ressaltar que a intuição intelectual de essências ou
significações, isto é, a descrição das experiências da consciência como
atividade do conhecimento, é chamada de fenomenologia.
Para a autora, as ideias
inatas são totalmente racionais e sempre são verdadeiras, existindo somente
porque já nascemos com elas. Elas podem ser conhecidas por intuição, por meio
da dedução e da indução. A dedução seria tirar conclusões a partir de uma
verdade já conhecida e a indução partiria de casos particulares, iguais ou
semelhantes em busca de uma lei geral, ou seja, tanto a dedução quanto a indução
seriam inferências de uma proposição como conclusão de uma outra.
Portanto, uma ideia
verdadeira é inata, universal e necessária, não sofrendo as variações das opiniões.
(p.72) Apesar que os céticos acreditarem que a razão humana é incapaz de conhecer
a realidade.
Cabe ressaltar que, para Leibniz,
as verdades de fato são dependentes da experiência, pois evocam o princípio da
razão suficiente.
A Unidade 3, a Verdade, é
uma Unidade menor com três capítulos: Ignorância e Verdade; Buscando a Verdade;
e As Concepções da Verdade.
A autora denota Atitude
Filosófica como sendo a busca da verdade por meio da “...decisão de não aceitar
as certezas estabelecidas, de ir além delas e de encontrar explicações,
interpretações e significados para a realidade que nos cerca.”(p.91)
A Unidade 4, a Lógica, também
possui três capítulos: O Nascimento da Lógica; Elementos de Lógica; A Lógica
Simbólica.
Nessa Unidade, a autora
demonstra como a dialética chega à unidade da essência, isto é, passa dos contrários
ao idêntico, separando os opostos em pares, até chegar a essência da coisa.
Cabendo ressaltar que enquanto para Platão a dialética é um modo de conhecer,
para Aristóteles, a lógica é um instrumento para o conhecimento, caracterizada pelos
seguintes elementos: instrumentalidade, formalidade, propedêutica,
normatividade, doutrina da prova, generalidade e atemporalidade (universalidade,
necessariedade e imutabilidade).
A Unidade 5, O Conhecimento,
é uma Unidade extremamente densa com sete capítulos: A Preocupação com o
Conhecimento; A Percepção; A Memória; A Imaginação; A Linguagem; O Pensamento;
A Consciência Pode Conhecer Tudo?
Denota-se como ontologia, o
conhecimento ou o saber sobre o ser. No entanto, tanto Descartes quanto Bacon e
Locke, apesar de concordarem com a necessidade de examinar a si mesmo, também
consideram que é necessário colocar o próprio entendimento como objeto de
entendimento.
Descartes e Locke aceitam o
conhecimento sensível, isto é conhecimento empírico como método de conhecimento.
A Unidade 6, a Metafísica,
possui uma Introdução e a média de cinco capítulos: As Indagações Metafísicas;
O Nascimento da Metafísica; A Metafísica de Aristóteles; As Aventuras da Metafísica;
A Ontologia Contemporânea; e a Filosofia Pós-Metafísica.
A Metafísica indaga porque
as coisas existem, por que são e o que são. Deus, homem e natureza são objetos
da metafísica.
Impulsionado pelos seus
instintos, o homem acreditava em uma racionalidade universal que não se baseava
somente no conhecimento intelectual, mas também na moral.
A Ontologia Contemporânea difere
volta a descrever essências da vida psíquica.
A Filosofia Pós-Metafísica dá
prioridade ao sujeito do conhecimento ou à consciência de si reflexiva. (p.
209)
A Unidade 7, a Ciência,
possui quatro capítulos: A Atitude Científica; A Ciência na História; As Ciências
Humanas; e O Ideal Científico e a Razão Instrumental.
A Atitude Científica é
objetiva, quantitativa, homogênea, generalizadora e diferenciadora. Ela
estabelece relações causais depois de investigar a natureza ou estrutura do
fato e suas relações com outros semelhantes ou diferentes. Ela procura
renovar-se e modificar-se continuamente, evitando a transformação das teorias
em doutrinas e destas em preconceitos sociais. (p.218-219)
A história das Ciências
Humanas é dividida em três períodos: o Período do Humanismo, do século XV com a
ideia renascentista da dignidade do homem como centro do Universo, prosseguindo
nos séculos XVI e XVII com o estudo do homem como agente moral, político e técnico-artístico,
destinado a dominar e controlar a natureza e a sociedade, chegando ao século
XVIII, quando surge a ideia de civilização, isto é, do homem como razão que se
aperfeiçoa e progride temporalmente por meio das instituições sociais e políticas
e do desenvolvimento das artes, das técnicas e dos ofícios; o Período do
Positivismo, do século XIX com Augusto Comte, propondo o estudo científico da
sociedade, a sociologia, usando procedimento, métodos e técnicas empregados
pelas ciências; o Período do Historicismo, do final do século XIX e início do século
XX, onde os fatos humanos são históricos, dotados de valor e de sentido, de
significação e finalidade e devem ser estudados por um método da explicação da
sua compreensão e do seu sentido, encontrando a causalidade histórica que os
governa. (p. 227-228)
A Unidade 8, o Mundo da Prática,
é a última unidade e a mais extensa, com 14 capítulos: A Cultura; A Experiência
do Sagrado e a Instituição da Religião; O Universo das Artes; A Cultura de
Massa e a Indústria Cultural; A Existência Ética; A Filosofia Moral; A
Liberdade; Ética e Ciência; A Vida Política; As Filosofias Políticas (1); As
Filosofias Políticas (2); A Política Contra a Servidão Voluntária; As Experiências
Políticas do Século XX; e A Questão Democrática.
A arte é socialmente determinada
pela finalidade social das obras; pelo lugar social ocupado pelo artista; e
pelas condições de recepção da obra de arte. (p. 288)
Para a autora, somente os
filósofos têm como interesse o bem geral da pólis e somente eles podem governá-la
com justiça. (p. 357).
Entre as filosofias políticas
apresentadas, a que mais se aproxima com a nossa realidade, ao menos na teoria,
é a defendida por Rousseau, onde o “... soberano é o povo, entendido como
vontade geral, pessoa moral coletiva livre e corpo político de cidadãos (...)
Assim sendo, o governante não é o soberano, mas o representante da soberania
popular. Os indivíduos aceitam perder a liberdade natural pela liberdade civil;
aceitam perder o direito à posse natural de bens para ganhar (...) a cidadania
(....)”. (p. 374)
Ela discute também a
democracia grega, a teoria política liberal, as teorias socialistas (socialismo
utópico, anarquismo e comunismo ou socialismo científico).
É importante salientar que a
nação foi inventada pelo capitalismo no século XIX, seguindo uma ideologia, ou
seja, uma lógica de dominação social e política que uma classe dominante de uma
época exerceu sobre uma determinada sociedade garantindo seus interesses.
No entanto, o nazismo e o fascismo
não podem ser designados como comunismo ou socialismo científico pregado por
Karl Marx e Friedrich Engels, pois eram a favor de uma aliança com o capital
industrial monopolista e financeiro, eram nacionalistas, eram corporativistas,
tinham uma ideologia de classe média ou pequeno-burguesa, defendiam o imperialismo
belicista, pregavam a educação moral e cívica e a propaganda de massa,
praticavam a censura, a delação e o racismo, e pregavam o estatismo; todos
valores contrários do marxismo.
Após a queda desses regimes,
até meados dos anos 1970, a sociedade capitalista foi orientada pelo keynesianismo,
o qual pregava a intervenção do Estado na economia por meio de investimentos e
endividamento para distribuição da renda e promoção do bem-estar social, e pelo
fordismo, o qual pregava o planejamento, a funcionalidade e o longo prazo do
trabalho industrial, com uma política salarial e promocional visando aumentar a
capacidade de consumo dos trabalhadores.
Entretanto, nos dias atuais,
o que predomina é o desemprego estrutural; o monetarismo e o capitalismo financeiro;
a terceirização estrutural, isto é, a ampliação do setor de serviços; a ciência
e a tecnologia como forças produtivas; a privatização estrutural; a transnacionalização
da economia; e o aumento da desigualdade social dentro dos próprios países.
Por fim, a autora discute a
questão democrática, onde ela afirma que não há meios para criar e garantir
direitos, pois as instituições democráticas operam de modo autoritário.
Como citei na Introdução, é
um livro que trata de diversos assuntos, de todos os campos de estudo: Psicologia,
Sociologia, Economia, Antropologia, História, Linguística, Psicanálise,
Semiologia, Teologia, entre outros, até porque as diversas ciências se
originaram da Filosofia.
É um excelente livro
introdutório ao campo de estudo da Filosofia e, também, uma ótima forma de ter
um panorama geral sobre o estudo das ciências para poder se aprofundar em uma área
que seja seu objetivo. Como o próprio título diz, é um ótimo “Convite à
Filosofia”.